quarta-feira, julho 06, 2005

"Sou a tua nova amiga, sou a Cátia Beijinhos"

Hoje vou optar por começar o meu devaneio da maneira como milhares de conversas se iniciam por todo o mundo (com as respectivas alterações linguísticas). "No outro dia", marquei encontro com o Oneiros para tomar um café e pôr a conversa em dia. Marcámos a hora e o sítio, e lá estávamos. Iniciámos as nossas longas discussões sobre a iniciação sexual dos babuínos e de que modo eles influenciam o Artigo 23º da Constituição. Entretanto, surge um mendigo no café. Chega ao pé de nós e eu, já estando preparado para um "não tenho", fiquei surpreso com a sua conversa. Começou por se apresentar, dizer que tem dificuldades, as coisas do costume. O homem não tinha assim um aspecto tão mau como podem estar a imaginar neste momento; penteado, barbeado, jeans, camisa... O Oneiros olhava para ele de modo atento, e eu olhava de modo atento para o Oneiros a pensar "porque raio está o Oneiros a olhar para ele de modo atento?". O homem olhou para mim de modo atento e disse "estou a olhar atentamente para ambos, importam-se que eu me sente?". Comecei a procurar uma desculpa o mais rapidamente possível, mas o Oneiros antecipou-se "sente-se Sr. Martins". Mais uma vez, eu estava a olhar atentamente para o Oneiros, enquanto ele olhava atentamente para o Sr. Martins.
- Nasci em 1970 em cima dos jornais de um quiosque. A minha mãe foi-se embora e lá me deixou em cima do Público, tendo eu sido adoptado pelo Sr. Martins, o gajo que estava no quiosque, a quem eu fui buscar o nome. À medida que crescia, desenvolvi uma paixão por Ballet, que nunca concretizei por ter uma perna mais curta do que aquela que é mais comprida, que por sua vez se alonga um pouco mais do que a que é mais curta.
Aqui ele fez uma pausa para olhar para nós; eu tinha-me afastado ligeiramente quando ele falou de ballet, e o Oneiros tinha-se aproximado dele, com uma lágrima a escorrer-lhe pelo rosto, comovido com a história das pernas. Prosseguiu...
- Cresci e tornei-me empregado de Bar num bordel, O "Cotovia Rimbombante". Comecei a ganhar gosto pelo ofício, e decidi fundar uma empresa minha, a "Sopranaflauta Lda." Rapidamente ganhei fortuna, ao descobrir uma mina de ouro: as paragens do autocarro. As senhoras que lá estão são ávidas adeptas de prostituição. Tudo correu bem durante 4 anos, até que fui a uma entrega de prémios de bordéis a nível nacional. Estavam lá representantes de todos os rivais, o "Passarinha e Filho Lda", a família "To- Matoso" e a pior, a minha rival, a "Bajanga da Tia Lda". Estava nervosíssimo quando chegou o final, o grande prémio: Melhor Bordel. Eu ganhei....
O Sr. Martins soluçou comovido, o Oneiros abraçou-se a ele num gesto de carinho e eu olhei para a chávena de café, a pensar profundamente em assuntos que me atormentavam: "se a melancia é vermelha por dentro, porque é que os morangos são vermelhos por dentro E por fora?".
Ele recuperou, puxou do seu lencinho para limpar o muco que jorrava das suas narinas, e continuou.
- mas quando subi ao palco, oh desgraça das desgraças! - o Oneiros interrompeu rapidamente
- Não! Não me diga que estava de braguilha aberta!
- Err... não...tipo...não - O Sr. Martins ficou a olhar atentamente para Oneiros, enquanto eu olhava atentamente para a chávena de café - o que aconteceu foi que, quando subi ao palco, todos se riram das minhas pernas! Todos a apontar e gozar! E eu ali, a sofrer! Chamavam-me coisas horríveis, como "Tu que tens uma perna mais comprida que a outra!" ou "Pernas diferentes!" ou pior, "Gajo que tem uma perna mais curta que a outra!". Chorei e gritei "Não se faz! Vós sois muito maus para mim!". Fugi... desisti daquela vida, fui morar para debaixo da ponte com um cão chamado Timóteo... e aqui estou.
O Oneiros lançou a sua cabeça na direcção das mãos, num pranto horrível. Rasgou as suas roupas, exibindo o seu peito peludo e a sua tatuagem da galinha. Cambaleante, fugiu para a rua onde berrou histericamente durante minutos a fio, até que o homem do café lhe pediu "Olhe, desculpe lá, podia parar com isso? É que não é lá muito bom para o negócio ter um gajo semi-nu em frente ao café aos berros", ao que ele respondeu "ya".
Eu sucumbi às lágrimas, quando notei que o meu diminuto cérebro não é suficiente para compreender as diferenças entre uma melancia e um morango. O Sr. Martins desvanesceu, deixando um papel em cima da mesa que tinha escrito "No Verão, a vizinha de cima parece um cogumelo com olhos". Mais tarde, descobri que o Sr. Martins se tinha suicidado com um corta-unhas. Tudo o que resta dele é o papel, para o qual eu olho atentamente todos os dias.

5 comentários:

Leonidas disse...

É o prazer de ver o blog a produzir cavalidades cada vez maiores pela mão do senhor Raw. Nem a sanidade (ou não) de Oneiros mete mão nisto. Quando parece que não conseguimos descer mais, eis que surgem mais uns buracos para o pessoal se enfiar. É fixe. Bom trabalho, camarada Raw! And may the horse be with you...

Oneiros disse...

LOLOLOLOLOLOL

Eu próprio que aparentemente "estive" lá não percebi nada... agora a sério Raw: o teu cerebelo primitivo é capaz de juntar dois pensamentos coerentes?

Anónimo disse...

excelente post, não fosse o mendigo ser um impostor e aproveitar-se da vossa tenra idade para dizer que em 70 foi deixado em cima dum Público... isso queria ele, sentir a derme colada às palavras do Vasco P. Valente. Desconfio antes que as primeiras palavras que viu foram as do Borda d'agua... (pela associação ao debaixo da ponte, não sei...)

Anónimo disse...

TESTE
excelente post, não fosse o mendigo ser um impostor e aproveitar-se da vossa tenra idade para dizer que em 70 foi deixado em cima dum Público... isso queria ele, sentir a derme colada às palavras do Vasco P. Valente. Desconfio antes que as primeiras palavras que viu foram as do Borda d'agua... (pela associação ao debaixo da ponte, não sei...)

Anónimo disse...

sim..na verdade o mais provavel era ser o borda d´agua..porque a historia é de veras verossimil..tirando o promenor de que em 1970 nao existia o jornal "o publico"..nao posso fixar a data certa da inauguraçao..mas posso afirmar com veemencia que nao a muito tempo ( no maximo 5 anos) comemorou o 10 aniversario..logo...longe de 1970..desconfio que o mendigo era um impostor..descoberto apenas por este detalhe que escapou por certo as mentes atentas de RAW e ONEIROS...pobres coitados..intrujados por um mendigo..NAO SE FAZ!